quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CARTA DOCUMENTO DO I FORUM DE SAÚDE MENTAL DO ALTO SERTÃO PARAIBANO

Nos dias 10 e 11 de outubro de 2011, em função do Dia Mundial de Saúde Mental (10 de outubro), realizou-se o I Forum de Saúde Mental do Alto Sertão Paraibano, contando com a presença de mais de 300 pessoas: profissionais, estudantes, pesquisadores, usuários, familiares, gestores e membros da comunidade de Cajazeiras. 

A partir de “olhares” e linguagens diversificados foi realizado um diagnóstico da realidade de Saúde Mental em Cajazeiras e região.  Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e do processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, vê-se que ainda há muito a avançar na construção do cuidado aos usuários dos serviços substitutivos em saúde mental na perspectiva da conquista da autonomia e da cidadania.
O Brasil vive um momento único em que experiências exitosas no SUS em todo o país mostram que garantir a universalidade e a equidade no acesso à saúde é possível. Com o avanço da Reforma Psiquiátrica visando à superação da lógica manicomial, já é possível sonhar com uma “Sociedade sem Manicômios”.
 Neste contexto, a Paraíba encontra-se em posição privilegiada, sendo o Estado brasileiro com maior concentração de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) por habitantes no país. Porém, apenas a implantação destes dispositivos de atenção não é suficiente para realizar a reorientação da assistência à saúde mental. Vive-se hoje o desafio de diversificar os serviços oferecidos aos usuários com sofrimento psíquico, reestruturar os existentes e garantir a qualidade dessa assistência.
Este Forum surgiu a partir do entendimento da necessidade da sociedade como um todo discutir a questão da Saúde Mental, não centralizando o debate entre gestores ou especialistas. A participação popular é um princípio do SUS necessário para que esse campo se concretize segundo as demandas dos usuários, convidando-os a uma posição de co-responsabilidade e co-participação enquanto agentes de atuação. Em processo dialógico, os grupos de discussão formados durante o evento debateram questões da atenção à saúde mental na região e chegaram a um consenso sobre a situação da saúde em Cajazeiras.
Percebe-se ainda a fragilidade da rede de Saúde Mental constituída, com ausência da garantia da integralidade e da coordenação do cuidado. A articulação com a Rede Básica de Saúde é precária, fragmentando o cuidado e afastando o sujeito em sofrimento da sua comunidade. Há precariedade das condições de trabalho e contratações dentro da rede de saúde mental, o que gera instabilidade e falta de estímulo para profissionais e usuários. Evidencia-se ainda inadequação da atenção ao usuário em crise, por vezes centrada na internação de longa permanência, com atendimento pré-hospitalar orientado por um conceito de “periculosidade”, negligenciando o cuidado.
A questão do uso de drogas também tem tomado importância cada vez maior, seja no âmbito individual ou coletivo, interferindo nas esferas física, social, psicológica e econômica, como o evidenciado nos casos dos inúmeros acidentes automobilísticos que nos fins de semana sobrecarregam os serviços de urgência devido ao uso abusivo de álcool e outras drogas, ou nas diversas situações reconhecidas em que o consumo de drogas desconstroem importantes laços de vida. Mesmo assim, percebe-se uma pequena procura de usuários pelos serviços de saúde, demonstrando a necessidade de ações diferenciadas e intersetoriais, a fim de abordar esta problemática, fazendo com que o serviço seja reconhecido como referência e efetivamente acessado pela população.
O Forum também se constituiu em um momento rico para proposições, buscando vias para superar os problemas apontados. Destaca-se a necessidade de pensar uma política de educação permanente dos trabalhadores em Saúde Mental e da Rede de Saúde incluindo a Atenção Básica, especialmente, a Estratégia Saúde da Família (ESF) e os serviços de urgência.
É preciso promover uma maior articulação entre a Rede Básica de Saúde e os Serviços de Saúde Mental, através do apoio matricial e da maior presença do Núcleo do Apoio à Saúde da Família (NASF). Outra estratégia para aumentar a resolutividade na ESF e conseguir realizar o seu potencial de cuidado no território é a implantação do acolhimento a todos os usuários das unidades, especialmente àqueles em situação de sofrimento psíquico, superando a lógica da mera “renovação de receita”.
Além da Atenção Básica, também é necessário garantir a diversificação da rede contemplando os dispositivos previstos na Política Nacional de Saúde Mental como residência terapêutica e centros de convivência em nível regional, assegurando a assistência integral aos portadores de sofrimento mental. No que se refere aos serviços já existentes no município (CAPS) é preciso pensar na qualificação do atendimento para que consigam cumprir o seu papel no cuidado aos usuários com transtornos graves em consonância com o previsto na Política Nacional de Saúde Mental, oferecendo novas tecnologias de cuidado que contribuam para o alcance da qualidade de vida e bem-estar dos usuários.
No que concerne à atenção à crise é preciso garantir que o usuário e sua família sejam acolhidos na rede SUS com disponibilização dos serviços pertinentes. Para isso, exige-se a abertura de leitos de atenção integral em saúde mental no hospital regional e a criação de CAPS III (24h). Além disso, as situações emergenciais implicam na necessidade de uma capacitação da equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
Considerando ainda os diversos determinantes dos transtornos mentais e sofrimento psíquico, o trabalho em saúde mental reivindica uma articulação intersetorial com a finalidade de concretizar os objetivos propostos no SUS para o cuidado com o sujeito em sofrimento mental, incorporando como parceiros os setores da educação, assistência social além da inclusão dos demais dispositivos da rede de apoio social presentes no território.
Tais propostas vêm no intuito de avançar o processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica no Alto Sertão Paraibano, entendendo que o modelo de atenção tradicional, centrado no manicômio e na exclusão não é mais aceitável por gerar rupturas nas histórias de vida dessas pessoas, ao invés da promoção da saúde, autonomia e cidadania pretendidas no Sistema Único de Saúde.

                                             Cajazeiras, 11 de outubro de 2011.


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